Jaboatão dos Guararapes, o segundo município mais importante de Pernambuco, se aquece para uma intensa disputa eleitoral. Com uma população de mais de 640 mil habitantes, segundo o último censo, a cidade é um microcosmo das complexas dinâmicas políticas do Brasil. Embora tenha um forte segmento evangélico, estimado em cerca de 35% da população, a fragmentação dentro desse grupo está moldando uma disputa eleitoral imprevisível. Tradicionalmente um bastião conservador desde a ascensão de Jair Bolsonaro em 2018, Jaboatão é palco de uma competição entre diversas forças políticas, tanto dentro quanto fora do segmento evangélico.
Os irmãos Anderson e André Ferreira, com raízes profundas na política local, continuam a dominar o cenário conservador com o apoio dos votos evangélicos e mantêm a liderança do Partido Liberal (PL). Anderson Ferreira, ex-prefeito de Jaboatão, e André Ferreira, deputado federal, são figuras influentes que há anos consolidam a presença evangélica na política local.
No entanto, a família Tércio, liderada por Junior Tércio (Podemos) e Clarissa Tércio (PP), emerge como uma força concorrente dentro da mesma base religiosa. Junior Tércio, deputado estadual, e Clarissa Tércio, deputada federal, ambos da Assembleia de Deus Ministério Novas de Paz, estão dispostos a desafiar o domínio dos Ferreira. Clarissa, em particular, agora com sua pré-candidatura à prefeitura nas ruas, poderá fragmentar os votos evangélicos e alterar significativamente o equilíbrio de poder.
O atual prefeito, Mano Medeiros, aliado da cozinha dos Ferreira, busca a reeleição com o apoio de uma ampla coligação que inclui partidos como União Brasil, PSD, PRD e Novo. Entretanto, a presença de Clarissa Tércio traz problemas para a base evangélica, enfraquecendo Mano Medeiros e potencialmente beneficiando Elias Gomes, candidato do PT.
Elias Gomes, que já governou Jaboatão por dois mandatos, busca retornar ao comando da cidade com o apoio do popular prefeito do Recife, João Campos, e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Gomes aposta na memória positiva de sua gestão anterior e na insatisfação com o atual governo para galvanizar o eleitorado em direção a uma alternativa de esquerda.
A situação se complica ainda mais com a figura de Raquel Lyra, arquirrival do PSB, que se distancia gradualmente dos Ferreira e se aproxima do PP de Eduardo da Fonte. Lyra enfrenta o dilema de abraçar uma aliança com Clarissa Tércio, o que poderia carimbar seu alinhamento com o bolsonarismo – algo que ela tem tentado evitar – e inadvertidamente fortalecer a candidatura de Elias Gomes.
‘MOSCOUSINHO’
O cientista político Hely Ferreira destaca que o histórico de Jaboatão, uma cidade que já elegeu um prefeito do Partido Comunista, Manoel Calheiros, mostra que a identidade política local é fluida. “A pergunta que fica é se Jaboatão vai manter o aspecto evangélico, lembrando que a cidade foi a que primeiro elegeu um comunista brasileiro, ou se vai voltar ao seu viés de esquerda. A vitória anterior foi de Anderson Ferreira, mas sem ele, como é que fica?”, questiona.
Ele concorda que a entrada de Clarissa na eleição força uma divisão dos votos evangélicos e, paradoxalmente, fortalecerá a candidatura de Elias Gomes. “Embora hoje o cenário seja favorável à força evangélica, não podemos esquecer que Jaboatão também tem o apelido de ‘moscousinho’, lembrando sua histórica inclinação à esquerda”, conclui Ferreira.